quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Sobre as lágrimas derramadas

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Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo.
Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.
(Caio Fernando Abreu)
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Quando bateste a porta elas já nem escorriam mais. E eu chorei a seco por tudo. Um choro estrangulado, proibido, frustrado; mas eu chorei. Chorei por ser uma divertida companhia numa cidade que pode ser tão maravilhosa quanto tediosa; por te dar o meu coração e não ter o que receber; por saber o quão é grande o meu querer e nunca ter aprendido a sofrer. Chorei por todos os parênteses que nos permitimos dar, por todas as lacunas que não conseguimos completar, por todos os teus "nãos", "poréns" e pelo "quase lá". Sim, chorei pelo que se perdeu e se ganhou em um pouco de nós, pelo que chegou de Gabriela e pelo que hoje embarca dela.
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Nem porteiro, nem guardas. Ninguém notou que eu chorava. Convulsivamente chorava. Não houve testemunha do meu quase-afogamento na secura, mas lá estava. E eu queria, pedia por algumas gotas de lágrimas. Daquelas que aliviam e lavam a alma. Porque lágrimas são solventes, dissolvem mágoas. São coadjuvantes no processo de abrandar a dor, a falta, a vontade, o desespero da chegada do final e do início imprevisível. E lágrimas rolam soltas pela face, os olhos incham, há vermelhidão, alívio, há vontade de recomeço, de mudar tudo que já conheço. E eu apenas pedia por um pouco de lágrimas.
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Mas no meu choro seco não houve nenhuma gota derramada. Tratei a amargura como um velho tabu a ser desmistificado. Papo que requer cuidado redobrado, mas deve ser tratado. Sequei a minha tristeza à sombra de mim mesma, sentei com minha lama pesada e me pedi perdão. Retirei todas as falsas verdades e carreguei de realidade o meu iludido coração. Mostrei a ele que nada adianta fugir do que somos, assim como não adianta se conformar com o estado de penúria e seguir a pedir esmola, pedindo quase nada, o suficiente para sobreviver, e achando que já basta. E nunca deixará de ser uma pobre perspectiva que pede um pouco pra receber o quinhão que sabe pedir, pois assim está condicionado a seguir.
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É. Ontem chorei por tudo isto e mais um pouco. Invadi a noite, era madrugada e eu sem conter o choro. Ninguém notou. Nem o sofá- cama, já cansado do meu corpo– cúmplice dos meus pensamentos, meu melhor amigo, ouvinte de todos os meus tormentos, se compadeceu com meu choro. Permaneceu ali, indiferente ao choro que só eu sei que foi realmente chorado.
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Já era hoje e eu chorava.
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Ainda choro.
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Então...
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* É chegada a hora.
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* Adiós, Cidade Maravilhosa.
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* Boa noite, Porto Alegre.

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