quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

The King

> Algumas vezes me sinto como uma desajeitada construtora. De castelos. Mesmo com todas as dificuldades, estou a todo momento os erguendo. Por vezes coloco tudo ao chão. Em outras decido erguer vários ao mesmo tempo e acabo me atrapalhando. Outras junto meras aglomerações de entulhos com nenhuma pretensão arquitetônica, chegando a inesperadas obras de arte. Há vezes em que construo torres altíssimas e esqueço de pôr janelas. Ergo quartos sem porta, túneis sem saída. Mas construo. Tudo porque penso que, um dia, poderei ter palacetes como os que sempre sonhei.
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> Sei que a realização está no empilhar de tijolos, e não em ver o castelo pronto. Está nas escolhas, nos erros e nos acertos. E, essencialmente, nas mãos que te ajudam a construir. Como eu cheguei a esta conclusão? Durante toda a jornada, com uma pessoa que me ensinou os fundamentos de quase tudo que hoje sei. A pessoa que me ensinou que o alicerce de tudo que for construído é o mais importante da obra. Ainda, foi quem me mostrou na prática o que é amor incondicional, sonhar, realizar, ser alguém que faz a diferença no mundo e o valor de um ser humano de caráter. Aprendi com ele que pessoas têm corações para colocarem o mundo ali dentro, não importando se depois irá perceber que nem todo mundo merece passe- livre pra invadir nosso peito. Com ele, soube o que é ser filha, mãe, amiga e ser humano. Dele ouvi alguns conselhos inesquecíveis e outros ruins; segui alguns exemplos e com outros apenas aprendi. Porque ele é humano, e também está construindo, incessantemente, os seus castelos.
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> E eu sou apenas um dos muitos castelos construídos por esse cara. Sou um empilhamento de desajeitados tijolos que, vezes por milagre e outras pela força dele ainda não viraram ruínas, mesmo diante de todas as tempestades que passamos. Isto porque ele é mestre em construir. Um vencedor, que aprendeu na dor a ser feliz. Que teve a humildade de chorar no meu colo, dividir fardos que carregava, mostrando-se humano, e me fez perceber que, mesmo desprovido de super-poderes, ele nunca deixará de ser o meu herói.
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> O mais incrível, contudo, é ver que mesmo não seguindo sempre o seu exemplo ou escutando suas sábias palavras que profetizam, seja por pura rebeldia ou pra tentar uma arquitetura diferente, ele nunca desistiu de acreditar em mim. Quando o vento consegue derrubar algum dos meus pilares, me alegra ver a mão dele estendida pra me ajudar a retomar. É que, não satisfeito com as dificuldades de arquitetar as suas próprias obras, ele ajuda todos a sua volta a construírem também. E mesmo quando vê colocarmos abaixo tudo em que fizemos até agora com a sua ajuda, onde muitas vezes está enterrada a última gota de seu suor, ele nunca questiona. Dá a mão, empresta os ouvidos, usa toda a sua força de vida pra nos ver felizes. E segue vida afora, se dividindo em mil, pra fazer do seu castelo um lugar onde caiba muito mais do que nos meus 20 e poucos anos posso pensar em colocar no meu. Um visionário, eu diria. Um sonhador
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> Observando o já construído vejo que muito diz da importância dele na minha vida. É ali nos remendos, rebocos, estacas e escoras que percebo que não teria chegado tão longe se não fosse por ele. Em cada milímetro de cimento e argamassa. Guardo comigo todas as realizações e frustraçõers, pois são as minhas cicatrizes que nunca poderei apagar. Carrego pra nunca esquecer que são as dádivas da vida, ensinando a sermos mais, melhores. Mostrando que é possível sim erguermos o mais belo palacete que já ouvimos falar, mesmo com remendos, por mais impossível que pareça ser. São coisas que aprendi com o mestre-de-obras mais incrível que já conheci.
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> E sempre saio pela rua para erguer novas paredes. Ajudar outros a construírem. Saio mas volto, pois sei que sempre terei ao meu lado, independente do que mudar durante a minha aventura mundana, um cara que nunca encontrarei por aí. Um amigo. Um ombro. Um herói. Um arquiteto de sonhos. Um mestre-de-obras. Um engenheiro de realizações. Um homem com princípios e um caráter invejável. Um palhaço, que deixa a gente pintar e bordar com ele. O homem mais importante da minha vida. O meu pai.
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> Acordei hoje pensado como poderia dizer a tua importância na minha vida. É que hoje é dia de festa. São os teus castelos que estão ficando mais velhos, pai. Não tenho medo de dizer que sou igualzinha a ti, inclusive nos detalhes, nas paredes que caem a todo minuto, nos alicerces bambos e na tinta que já não tem mais o brilho de outrora, bem como nos cômodos mais bem decorados que ousamos fazer. Fico feliz em ver o quão forte tu és, pra comportar tantos hóspedes no teu coração.
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> O tempo tem passado e cada vez tenho conseguido perceber o quão único tu és. E é graças a este mesmo tempo, onde eu e tu amadurecemos, que tenho aberto cada vez mais portas e janelas. Tenho saído mais pra construir, sozinha, novos castelos e aprimorar o que já tenho. Mas podes ter certeza: a distância entre as nossas moradas têm sido cada vez menor. Porque, com todas as paredes que foram ao chão e tu me ajudaste a repor, eu construí uma ponte. E essa ponte feita de admiração pelo homem e de amor pelo pai liga a minha vida a tua, pra todo o sempre, independente do que possa um dia acontecer.
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>Eu não te escolhi. Mas se pudesse, podes ter certeza que seria a ti que iria escolher.
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> Feliz aniversário, pai. É muito bom poder dizer por aí que tu és o meu pai.

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